Cássia Kis mostra um pedacinho da alma de Manoel de Barros em Meu Quintal é Maior do que o Mundo

Conhecedora da obra de Manoel de Barros (1916-2014), a atriz Cássia Kis se considera uma excelente leitora do poeta e escritor mato-grossense.Tem uma relação não só com a obra, mas com o próprio, com quem passou anos se correspondendo e chegou a conviver proximamente, tornando-se amiga. Tudo começou no início dos anos 1980, quando descobriu sua poesia.

É parte da obra do autor de Livro sobre Nada que Cássia Kis escolheu para marcar sua volta aos palcos depois de 10 anos, ao lado do diretor Ulysses Cruz, parceiro de 40 anos e com quem divide, ainda, a criação do texto. Para executar a música ao vivo em cena também está Gilberto Rodrigues, responsável pela direção e criação musical. A peça Meu Quintal é Maior do que o Mundo estreia em São Paulo e tem expectativa de circular pelas principais capitais do País.

A temporada aqui inclui 10 apresentações, de 31 de janeiro a 17 de fevereiro no Teatro Sesi-SP, com sessões às sextas e sábados, às 20 horas, e domingo, às 19 horas, de graça. A produção está a cargo de Gustavo Nunes, diretor da Turbilhão de Ideias Entretenimento, que possui relação de anos de amizade com Cássia Kis e Ulysses Cruz, o que motivou a união para criar este projeto. A Turbilhão de Ideias, apesar de estar sediada no Rio de Janeiro, circula com seus espetáculos por todos os Estados do país. Dentre suas produções, destacam-se Perfume de Mulher, a mais recente, e Cássia Eller, o Musical.

Projeto pessoal, idealizado por Cássia Kis e concebido a partir do livro Memórias Inventadas, não se trata de um sarau ou declamação de poemas e sim uma encenação dramatúrgica. Não se configura como um espetáculo na estrita concepção do termo, mas de uma peça de teatro, por sua característica mais intimista. A relevância da montagem se dá tanto pela ligação da atriz com Manoel de Barros como pela década longe do teatro (sua última peça foi O Zoológico de Vidro, de 2009).

Sonho recorrente 

Para realizar o antigo sonho da atriz, que acalenta o desejo de criar uma versão para o palco da obra de Manoel de Barros há quatro décadas – o parceiro constante Ulysses Cruz decidiu rever estudos iniciais desenvolvidos por Cássia e Jayme Compri (que integrava o grupo do diretor, Boi Voador, e o próprio Ulysses indicara), para a  construção de possíveis cenas. Sabendo da paixão da atriz pelo escritor e, testemunhando sua determinação em finalmente dar corpo ao projeto, Ulysses aceitou encarar o desafio. 

“Quando Cássia retomou o projeto da peça, história recorrente em sua vida, eu gelei. Ao perceber sua determinação e o risco dela montar o trabalho com qualquer outra pessoa, eu – que tenho um prazer absoluto em trabalhar com ela, sua qualidade como atriz é superlativa – topei na hora”. A sacada de Ulysses ao ler o livro Memórias Inventadas foi perceber que todos os textos continham uma historinha, um enredo. “De cara, entendi que não dava para fazer o livro todo, pela quantidade de textos e o risco da fragmentação em pequenas histórias, que geraria dificuldade de compreensão. Fiquei, então, com a batata quente na mão de escolher, entre tantos, os textos poéticos mais significativos”, comenta, ressaltando que “teatro tem de ser vibrante, gerar faísca”.

Para o ponto de partida na concepção da encenação, Ulysses recorreu à memória, lembrou dos tempos em que dava aulas de teatro, quando usava o livro Improvisação para o Teatro, espécie de manual, de Viola Spolin. Assim, com base em três conceitos contidos no livro – onde se passa a ação, quem está na ação e o que estão fazendo – Ulysses organizou os 18 textos. O trabalho incluiu a necessidade de ligar um texto ao outro para ampliar a ideia de continuidade (“pois cada texto, todos curtos, encerra em si o mundo”).

“O bloco onde reúne textos com as descrições dos cenários que Manoel de Barros faz de seu mundo. O segundo bloco, quem, traz os textos que mostram quem é aquela pessoaque descreve aqueles cenários. Finalmente, os textos do o que trazem os objetos de inspiração do poeta. A peça tem em sua estruturada uma abertura, onde o público entende quais são as fontes do poeta. O bloco um traz a chegada ao quintal, simbolizada pelo tapete. O segundo bloco apresenta quem é aquela pessoa que descreve aqueles cenários. São textos que falam do menino, do homem e do velho Manoel de Barros”, informa Ulysses Cruz.

O compromisso de Ulysses foi construir uma peça que se comunicasse com a plateia de uma maneira fluida, daí a divisão em blocos. O encenador também se colocou no lugar do público e gostaria que ele sentisse “a alegria de ouvir textos tocantes, supreendentes, lindos, felizes, angustiados, dramáticos, engraçados e bem-humorados”.

Sobre a encenação 

Para construir a atmosfera sonora da montagem, o criativo convidou o músico Gilberto Rodrigues (com quem já havia trabalhado emLeão no Inverno). A presença da sonoridade do vibrafone foi o único pedido ao músico. Para criar a luz, juntou-se à equipe o jovemNicolas Caratori, estreando como light designer. Para dar conta do trabalho físico da atriz, a direção de movimento foi entregue aCynthia Garcia, “pupila” de Ivaldo Bertazzo. “As demandas corporais começaram a ficar pesadas, afinal a peça fala de um  menino com 5 anos, um jovem de 15, um homem de 40 e um velho de 85, num quintal, que é um tapete”, fala Ulysses, explicando ter percebido que precisava de um diretor de movimento.

Por ser uma prosa poética, Ulysses Cruz finaliza afirmando que a peça vai na contramão do que tem em cartaz hoje.

 Sobre Manoel de Barros

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá-MT, em 19 de dezembro de 1916 e mudou-se para Corumbá-MS, onde se fixou em uma fazenda no Pantanal. Estudou num colégio interno em Campo Grande e depois no Rio de Janeiro. Anos depois, passou um tempo na Bolívia e no Peru e, em e seguida, morou por um ano em Nova York, onde estudou sobre Cinema e Artes Plásticas no Museu de Arte Moderna. É autor de 18 livros de poesia, além de livros infantis e relatos autobiográficos. Recebeu duas vezes o Prêmio Jabuti, duas vezes o Prêmio Nestlé e também foi premiado pela ABL, pela Biblioteca Nacional e pela APCA. Manoel de Barros conta com uma consistente fortuna crítica, mas seus comentários sobre a própria obra são considerados um dos melhores e foram forcecidos tanto em entrevistas quanto em versos que escreveu, “desexplicando” o próprio trabalho literário. Segundo ele, “ao poeta faz bem desexplicar”, ou melhor, o entendimento de sua poesia não passa pelo crivo cerebral, pois “não é por fazimentos cerebrais que se chega ao milagre estético senão que por instinto linguístico”. E, num “despoemamento”, sintetiza sua concepção para o entendimento poético. Faleceu em novembro de 2014, pouco antes de completar 98 anos.

Ficha Técnica

Obra: Manoel de Barros. Elenco: Cássia Kis. Concepção e direção geral: Ulysses Cruz. Adaptação do texto: Cássia Kis e Ulysses Cruz. Direção de Produção: Gustavo Nunes. Cenário e figurinos: Ulysses Cruz. Direção e criação musical: Gilberto Rodrigues. Execução musical: Gilberto Rodrigues. Fotografia e Design: Gal Oppido. Design do convite: Marcio Oliveira – Graphix. Assistente de Fotografia e Design: Marina Engelhardt. Design de luz:Nicolas Caratori. Assistente de iluminação: Vitória Pamplona. Direção de Movimento: Cynthia Garcia. Costureira: Judite de Lima. Adereços: Luis Rossi. Financeiro: Helber Santa Rita. Mídias sociais: Julliana Della Costa e Jessica Veiga. Assessoria de imprensa: Arteplural. Produção executiva Rio de Janeiro: Mariana Chew. Produção executiva São Paulo: Arte & Atitude: Monique Mendonça, Isabel Gomez, Renata Bento, Andreia Besteiro. Produção geral: Turbilhão de Ideias Entretenimento * Realização: SESI.

Serviço 

Estreia do espetáculo Meu Quintal é Maior do Que o MundoDe 31 de janeiro a 17 de fevereiro, sextas e sábados, às 20 horas, e domingos, às 19 horas. Teatro do Sesi-SP. Endereço: Av. Paulista, 1313. Em frente à estação Trianon-Masp do Metrô. Duração: 70 minutos. Capacidade: 456 lugares. Classificação indicativa: livre. Gênero: prosa poética. Informações e agendamentos: (11) 3146-7439.Grátis. Reservas antecipadas pelo site www.centroculturalfiesp.com.br. Ingressos remanescentes serão distribuídos no dia da apresentação, 30 minutos antes do início da sessão.

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